Nos dias de hoje, a privacidade digital emergiu como uma preocupação significativa. A enorme quantidade de dados gerados diariamente acarreta uma responsabilidade proporcionalmente maior de assegurar a segurança dessas informações. Nesse contexto, a criptografia se destaca como a forma mais eficaz de proteger os dados.
A privacidade digital envolve a proteção das informações pessoais e sensíveis contra acessos não autorizados, garantindo que apenas indivíduos autorizados possam acessar e manipular esses dados. Com o crescente uso de tecnologias digitais em todas as esferas da vida cotidiana, a quantidade de dados gerados e armazenados em servidores e dispositivos pessoais aumentou exponencialmente. Este cenário torna a proteção desses dados um desafio crítico.
A criptografia oferece uma solução robusta para esse desafio. Trata-se de um processo que transforma dados legíveis em um formato codificado, que só pode ser decifrado por aqueles que possuem a chave de criptografia adequada. Este mecanismo assegura que, mesmo que os dados sejam interceptados, eles permanecerão inacessíveis e inúteis para qualquer pessoa sem a chave correta.
Portanto, a implementação de criptografia é essencial para qualquer estratégia de segurança digital. Ao proteger as informações através de métodos criptográficos, é possível garantir que os dados sensíveis permaneçam confidenciais e seguros, mesmo em um ambiente digital cada vez mais ameaçador.
Os sistemas criptográficos atuais apresentam limitações significativas na preservação da confidencialidade dos dados, pois é necessário descriptografá-los para realizar qualquer operação. Esse processo expõe os dados a possíveis vulnerabilidades durante o período em que permanecem em texto claro (plaintext). No entanto, a criptografia totalmente homomórfica (Fully Homomorphic Encryption, FHE), proposta por Craig Gentry em 2009, oferece uma solução inovadora para esse problema.
A FHE permite que operações sejam realizadas diretamente em dados criptografados sem a necessidade de primeiro convertê-los para plaintext. Essa abordagem revolucionária mantém a confidencialidade dos dados durante todo o processo de computação. Quando um servidor recebe dados criptografados, ele pode realizar cálculos sobre esses dados sem jamais descriptografá-los. Após a computação, os dados permanecem criptografados e são retornados ao proprietário original.
Somente o proprietário dos dados, que possui a chave secreta, pode descriptografar os resultados e revelar o plaintext. Essa capacidade de computação segura tem implicações significativas para a privacidade e segurança digital, especialmente em ambientes onde a confidencialidade dos dados é crítica.
É importante notar que Craig Gentry não foi o primeiro a trazer o conceito de homomorfismo à criptografia. Essa noção, originalmente chamada de homomorfismo de privacidade, foi introduzida por Rivest, Adleman e Dertouzous logo após a invenção do RSA por Rivest, Shamir e Adleman. A FHE é um desenvolvimento contínuo desse conceito, proporcionando um nível de segurança sem precedentes nas operações computacionais.
Para mais detalhes, o artigo original de Craig Gentry pode ser acessado aqui.
A criptografia totalmente homomórfica (FHE) oferece uma solução promissora para diversos desafios de segurança e privacidade em várias áreas. Algumas das aplicações reais do FHE incluem:
- Leis e Compliance: Países como o Brasil e nações da Europa precisam seguir rigorosas leis de privacidade de dados, como a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) no Brasil e o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (GDPR) na Europa. A FHE pode ajudar a garantir a conformidade com essas regulamentações, uma vez que somente o proprietário dos dados terá acesso a eles. Isso assegura que os dados pessoais e sensíveis permaneçam protegidos durante todo o processo de processamento e armazenamento.
- Sistemas de Voto: A FHE pode ser utilizada para evitar modificações não autorizadas de votos, garantindo assim a integridade e a democracia nos processos eleitorais. Ao permitir que os votos sejam processados de forma criptografada, a FHE impede que os resultados de uma eleição sejam adulterados, proporcionando um nível adicional de segurança e confiança no sistema eleitoral.
- Processamento por IA: A FHE permite que os dados processados por sistemas de inteligência artificial (IA) sejam mantidos seguros. Isso significa que os dados sensíveis podem ser utilizados para treinar e operar modelos de IA sem que sejam expostos ao servidor de IA. Essa capacidade é particularmente importante em setores como saúde, finanças e defesa, onde a proteção de dados sensíveis é crucial.
Essas aplicações destacam o potencial da FHE em transformar a forma como dados sensíveis são manipulados e protegidos, oferecendo soluções robustas para desafios contemporâneos de segurança e privacidade.
Antes de nos aprofundarmos em mais detalhes sobre a criptografia totalmente homomórfica (FHE), é essencial compreender alguns conceitos fundamentais:
- Circuitos na Criptografia:
- Em criptografia, os circuitos referem-se a operações booleanas, como adição e multiplicação. Essas operações são a base para realizar cálculos sobre dados criptografados. Os circuitos booleanos são compostos de portas lógicas que processam bits, permitindo a execução de operações matemáticas necessárias para computações criptográficas.
- Par de Chaves:
- O conceito de par de chaves é fundamental na criptografia de chave pública (Public-key encryption), ou também conhecido como criptografia assíncrona. Um par de chaves consiste em duas chaves: uma chave pública e uma chave privada. A chave pública é usada para criptografar dados, enquanto a chave privada é utilizada para descriptografar esses dados. Essa abordagem garante que apenas o proprietário da chave privada possa acessar os dados criptografados.
- Computação em Dados Criptografados:
- Quando um servidor precisa realizar computações em dados criptografados, ele utiliza um processo chamado Avaliação (Evaluation). A Avaliação permite que o servidor execute operações sobre dados criptografados sem a necessidade de descriptografá-los primeiro. Isso é possível graças às propriedades matemáticas da FHE, que preservam a estrutura dos dados durante as operações, mantendo-os protegidos.
- Esquemas de FHE:
- Em FHE, os esquemas referem-se a modelos específicos que utilizam diferentes métodos matemáticos para implementar a criptografia homomórfica. Esses esquemas são essenciais para permitir que operações sejam realizadas sobre dados criptografados. Os mais conhecidos e utilizados incluem:
- Brakerski/Fan-Vercauteren (BFV) e Brakerski-Gentry-Vaikuntanathan (BGV):
- Esquemas utilizados para operações com números inteiros.
- Cheon-Kim-Kim-Song (CKKS):
- O CKKS é particularmente útil para operações de aritmética aproximada, o que o torna adequado para aplicações em aprendizado de máquina e análise de dados.
- Fast Fully Homomorphic Encryption Library over the Torus (TFHE):
- A biblioteca TFHE implementa um bootstrapping porta a porta muito rápido.
- Brakerski/Fan-Vercauteren (BFV) e Brakerski-Gentry-Vaikuntanathan (BGV):
- Em FHE, os esquemas referem-se a modelos específicos que utilizam diferentes métodos matemáticos para implementar a criptografia homomórfica. Esses esquemas são essenciais para permitir que operações sejam realizadas sobre dados criptografados. Os mais conhecidos e utilizados incluem:
- Bootstraping:
- Na criptografia totalmente homomórfica (FHE), o conceito de bootstrapping desempenha um papel crucial. O principal uso do bootstrapping é converter um texto cifrado esgotado em um texto cifrado atualizado "equivalente". Para entender melhor essa função, é importante conhecer alguns detalhes sobre os textos cifrados e o ruído acumulado durante as operações.
- Texto Cifrado Esgotado:
- Quando se realizam operações homomórficas em textos cifrados, cada operação adiciona um certo nível de ruído ao texto cifrado. Após várias operações, o ruído acumulado pode se tornar tão alto que o texto cifrado se torna inutilizável para futuras operações adicionais. Esse estado é conhecido como texto cifrado esgotado.
- Texto Cifrado Atualizado:
- Um texto cifrado atualizado é um texto cifrado que foi "limpo" do ruído acumulado e pode suportar operações homomórficas adicionais. O processo de atualizar um texto cifrado esgotado envolve reduzir o nível de ruído para permitir futuras operações.
- Bootstrapping:
- O bootstrapping é a técnica utilizada para renovar um texto cifrado esgotado. Esse processo envolve descriptografar parcialmente o texto cifrado utilizando a própria criptografia homomórfica, e depois recriptografar o resultado, removendo assim o ruído acumulado. O texto cifrado resultante é funcionalmente equivalente ao original, mas com um nível reduzido de ruído, permitindo que mais operações sejam realizadas.
- Texto Cifrado Esgotado:
- Na criptografia totalmente homomórfica (FHE), o conceito de bootstrapping desempenha um papel crucial. O principal uso do bootstrapping é converter um texto cifrado esgotado em um texto cifrado atualizado "equivalente". Para entender melhor essa função, é importante conhecer alguns detalhes sobre os textos cifrados e o ruído acumulado durante as operações.
Esses pontos formam a base para entender como a FHE funciona e como ela pode ser aplicada em diversas áreas para proteger a privacidade e a segurança dos dados.
Para melhor aproveitamento deste "manual", recomenda-se conhecimento prévio em:
- Criptografia tradicional (pelo menos completo entendimento sobre RSA)
- Algebra abstrata
- Homomorfismos
- Grupos
- Anéis
- Lattices
- Algebra booleana
Nas próximas páginas, iremos nos aprofundar mais nos conceitos matemáticos, bibliotecas e programação (em C++), e mais para frente construir uma aplicação utilizando a biblioteca OpenFHE utilizando os esquemas BFV, BGV e logo após utilizando CKKS.